domingo, 4 de dezembro de 2022

A Concepção Crítica de Educação no Jovem Nietzsche

 O grande pedagogo é como a natureza: ele

deve acumular obstáculos para que sejam

ultrapassados.

Nietzsche

    No pensamento de Nietzsche educação e cultura estão intrinsecamente ligadas. Não há como pensar em um projeto cultural sem, automaticamente, remeter a um projeto educativo. Seguindo a mesma lógica, não existe educação sem uma cultura que a apoie.
Desde já, a educação transmitida nas escolas alemãs era vista, pelo filósofo, como uma cultura aparente, uma pseudo cultura.
Em suas conferências Sobre o Futuro dos nossos Estabelecimentos de Ensino, Nietzsche analisa minuciosamente o sistema educacional de sua época. Percebe que o Estado e os negociantes são os primeiros grandes responsáveis pelo enfraquecimento da cultura. Ambos atrapalham a maturação do indivíduo, determinando uma formação rápida para terem a seu serviço funcionários eficientes e estudantes dóceis, que aprendam a ganhar dinheiro. Da mesma forma, os estudantes são questionados a qual profissão optar e, devido à presa, acabam fazendo más escolhas.
    O processo assinalado leva o filósofo a reconhecer duas tendências no sistema educacional de sua época que enfraquece a cultura, a saber: a ampliação máxima da cultura e a redução máxima da cultura.
    A primeira tem a pretensão de julgar que o direito à cultura seja acessível a todos. No entanto, é regulamentada pelo dogma da economia política.
    A segunda admite a possibilidade de que os indivíduos consagrem sua vida à defesa dos interesses do Estado. Ademais, junto a essas duas tendências, encontra-se a cultura jornalística.
    Para Nietzsche, a cultura jornalística vai, pouco a pouco, substituindo a verdadeira cultura. O jornalista, escravo dos três momentos: o presente, as maneiras de pensar e a moda, passa ligeiramente sobre as coisas. Ele escreve sobre os artistas e os pensadores, mas enquanto vive do instante, as grandes obras de artistas e de pensadores emanam do desejo de permanecer, e ultrapassam o tempo pela força da criação.
    A educação começa com hábito e obediência, ou seja, com disciplina. Disciplinar significa dar oportunidade para o jovem construir determinados princípios a partir dos quais possa crescer por si mesmo, tornando-se o senhor de seu idioma e possibilitando a construção de uma língua artística a partir dos trabalhos que o precede – caminho para revitalizar a educação e a cultura.
Para Nietzsche, a educação moderna substituiu os verdadeiros educadores, os modelos ilustres, por uma abstração inumana que é a ciência. As universidades, instituições fundamentais de ensino, fizeram da ciência algo desligado da própria vida, tornando os eruditos mais preocupados com a ciência do que com a humanidade, esquecendo que sua verdadeira tarefa é “educar um homem para fazer dele um
homem” (NIETZSCHE, 2003, p.144).
    O filósofo crítica arduamente a tendência à ampliação, como sendo uma tentativa de universalização da cultura, procurando estender a educação a maior quantidade de pessoas possível, pensando na educação voltada ao mercado e a subsistência.
    Nietzsche enfatiza veementemente, que não há cultura sem o desligamento do mundo das necessidades e que um homem que esteja ligado a essa luta individual pela vida (educação pela sobrevivência) não pode simplesmente dispor de tempo para alcançar a verdadeira cultura.
    Aqui cabe a problematização: Onde buscar uma verdadeira formação? Ou melhor, quem seriam os mestres e os guias que mostrariam o caminho que nos levaria à verdadeira cultura?
Por muitos caminhos diferentes e de múltiplos modos cheguei eu
à minha verdade; não por uma única escada subi até a altura onde
meus olhos percorrem o mundo. E nunca gostei de perguntar por
caminhos, – isso, ao meu ver, sempre repugna! Preferiria perguntar
e submeter à prova os próprios caminhos. Um ensaiar e perguntar
foi todo o meu caminhar – e, na verdade, também tem-se de
aprender a responder a tal perguntar! Este é o meu gosto: não um
bom gosto, não um mau gosto, mas o meu gosto, do qual já não
me envergonho nem o escondo. “Este – é meu caminho, – onde
está o vosso?”, assim respondia eu aos que me perguntavam “pelo
caminho”. O caminho, na verdade, não existe! (NIETZSCHE,
2002, p.272).

    Neste cenário, Nietzsche apresenta a ideia de educador ao qual o jovem estudante poderá tomar como exemplo para si, como a melhor forma de encontrar a si próprio. Os mestres teriam a função de propiciar ao sujeito encontrar o seu próprio caminho, sendo que, a educação acontece, então, a partir do modelo ou exemplo de vida fornecido pelo mestre, e não pela simples transmissão de conhecimentos.
    O papel da educação é promover o homem superior. A educação não deve padronizar, mas destacar os indivíduos mais talentosos.
Inspirado em Arthur Schopenhauer (1788-1860), Nietzsche afirma que o papel do mestre é o comprometimento com uma educação vivencial, não formal. Seguindo esta lógica argumentativa, a escola não deve mais se preocupar com a administração da vida, mas, antes, com a fecundação da vida, com a criação de um espírito artista.
    Acerca da crítica de Nietzsche à filosofia universitária, podemos afirmar que, para Schopenhauer não existem filósofos na universidade, mas professores que vivem da filosofia, atraídos por seus interesses materiais e no que convém ao Estado e à religião.
    Nietzsche resgata e aprofunda as críticas de Schopenhauer quanto à relação da filosofia com o Estado e a cultura histórica. Ademais, como Schopenhauer, cogita que não existem filósofos universitários, mas somente professores de filosofia como engrenagens úteis à sobrevivência da máquina estatal.     Outrossim, para Nietzsche (2003), o filósofo universitário pode ser visto como um anti-sábio. É um filósofo do Estado, da religião, colecionador dos valores em curso e funcionário da história; mascara-se com a filosofia para sobreviver.


A Ideologia alemã

    Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, irão provar que o homem como ser social e o primado da economia constituem as premissas para o conceito de ideologia. Uma vez que, todo fenômeno social é desdobramento de uma determinada formação econômica, o trabalho passa a ser o agente determinante na diferenciação entre o homem e o animal.
    Com a divisão social do trabalho, surge a repartição entre trabalho material e trabalho intelectual, assim como entre explorados e exploradores. Para Marx e Engels (2007) a dominação material de uma classe sobre a outra é dimensionada por meio de seu complemento necessário: a ideologia.
    A ideologia efetiva-se como expressão de uma classe – a burguesia –, em seu posicionamento limitado com as demais. Portanto, a burguesia necessita de um organismo regulador que assegure sua propriedade e seus interesses, fazendo uso, em último caso, da violência, mas preferindo a repressão por meio de ideias. Governar é o lema! Não um governo que busca a verdade, mas um governo que busca a adesão à ideologia burguesa.
    O proletariado, não possuindo meios de produção como o capitalista, vende a mercadoria que detém: força de trabalho contida em seu corpo vivo. Ao adquirir a força de trabalho, o capital adquire a capacidade de conservar-se e multiplicar-se. É um intercâmbio de equivalentes: força de trabalho por preço de trabalho. Nesta lógica, a universalidade e a igualdade do Estado Moderno, no modo de produção capitalista, realizam-se como desigualdade e dominação. Estamos diante, portanto, de uma formação ideológica.
    Em 1989, com a queda do muro de Berlim, surge um balizador na história de conflitos ideológicos. Com o enfraquecimento de um mundo marcado por ideologias a própria escola acaba sendo afetada. Se entendermos que a ideologia é uma concepção de mundo, não podemos esquecer que a educação faz parte dessa concepção.
    Outrossim, a ideologia como processo de subjetivação constitui os conceitos e valores particulares de um grupo social passados a todos como se fossem universais.
Historicamente o homem se constitui humano por meio da educação, que é também ideológica. Não há conhecimento desinteressado! Na contemporaneidade, ainda é comum nos depararmos com professores ideólogos mesmo entre os que proclamam que a ideologia é uma ideia vaga e ultrapassada.
    Segundo Severino (1986), o papel da educação está intrinsecamente vinculado ao desvendamento das relações que interligam o discurso pedagógico com o discurso ideológico. Nisso reside a afirmação de que a ideologia pode ser vista enquanto categoria explicativa do conhecimento humano.

Marx e a educação

    Coerente com seus princípios, Marx não explicou a sua concepção ideológica apenas em termos de um esquema teórico universal, mas tematizou as questões da situação histórica concreta de sua época, criada pelo estágio de desenvolvimento em que se encontrava o capitalismo – luta de classes (burguesia X proletariado).
    Se tomarmos como norte a análise marxiana, percebemos que a permanência da sociedade capitalista depende da reprodução de seus componentes propriamente econômicos e da reprodução de seus componentes ideológicos. Nesta lógica, a escola contribui na transmissão dos valores da classe dominante, uma vez que a educação faz parte da dinâmica da política. No entanto, cabe a educação escolar, numa perspectiva marxiana, denunciar as ideologias e propor uma nova realidade social, uma nova práxis (teoria e prática) social que, para Marx, seria a Revolução Proletária – o operário ocupa a posição da classe dominante. Logo, saímos de um Estado Burguês para um Estado Proletário ou Operário, subvertendo a lógica do Capitalismo.

A Concepção Crítica de Educação no Jovem Nietzsche

 O grande pedagogo é como a natureza: ele deve acumular obstáculos para que sejam ultrapassados. Nietzsche      No pensamento de Nietzsche e...